Na 50ª edição do NEVI YAG *
*Jornal do CCIT, cujo nome significa Fogo Novo em língua cigana
Há mais de um quarto de século que participamos nas reuniões do CCIT. Desde o primeiro momento se tornou apelativo o encontro com outros que, nas mais diversas paragens, se preocupam, tal como nós, com a comunidade cigana. Esses encontros polifacetados, independentemente das temáticas que abordam, ajudam sempre a levantar o ânimo e manter a esperança no difícil trabalho em que todos nos empenhamos.
De entre as várias experiências ali vividas, destacaremos como fundamental aquela que experimentámos na Hungria, onde pudemos visitar uma aldeia cigana. Sim, toda a população vivia do campo e pertencia à mesma etnia. Se, por um lado, isso constituía um traço de união entre o grupo, por outro era garante de segregação racial relativamente à restante população. Tal situação foi motivo de debate entre os que constituíamos o grupo do CCIT.
Por essa época desenvolviam-se, em Portugal, os processos de realojamento das populações dos chamados “bairros da lata”. Quer dizer, as populações (incluindo os ciganos) que até então viviam em barracas, eram transferidas para prédios para o efeito construídos. No que se refere à população cigana, o tema do realojamento motivou um debate social sobre o melhor modo de a agrupar. As políticas dividiam-se entre a hipótese de juntar o grupo no mesmo prédio e bairro ou dispersá-lo por entre a restante população.
Certamente, numa primeira abordagem, pareceria que ficavam melhor em conjunto. Além disso, pressionadas pela opinião dos “vizinhos” que preferiam afastar os ciganos, as autoridades inclinavam-se para a solução de juntar o grupo. A justificação da “família alargada” parecia fundamentar a decisão.
Não fora a experiência vivida no CCIT, que proporcionara o contacto com a “aldeia-ghetto” da Hungria e talvez nós admitíssemos essa solução. No entanto, assim não aconteceu e movemos todos os esforços para a evitar. Apesar disso, não conseguimos e num dos bairros foram todos os ciganos “amontoados” em dois lotes contíguos. A consequência foi terrível e resultou no posterior desmembramento do grupo, depois de muitas coisas más terem acontecido.
Tivemos melhor sorte perante um projecto da Câmara Municipal de Lisboa que, querendo realojar um grupo, imaginou um bairro próprio. Até teria escola e igreja! Apesar das boas intenções, que visavam oferecer casas individuais, todas num só piso, sabíamos que seria uma má experiência, sobretudo e mais uma vez, pelo “ghetto” que se iria criar. O bairro não se construiu.
Infelizmente, muitos anos mais tarde, em vésperas da grande Expo98, sofremos uma grande derrota frente à mesma Câmara. Precisando de alojar inúmeras famílias de ciganos e não ciganos que habitavam em casas camarárias, decidiu realojar a população não cigana em bairros sociais já existentes. Quanto às 70 famílias ciganas, foram “enviadas” para a área de um quartel militar desactivado e completamente isolado. Vencidos, mantivemo-nos sempre com as famílias naquele “ghetto” de má memória. Seis anos depois, um novo presidente mandou arrasar esse conjunto de habitações, permitindo de novo às famílias ciganas a respectiva integração na cidade, junto de ciganos e não ciganos.
Muitos outros aspectos poderíamos abordar no que se refere ao enriquecimento trazido da partilha que se vive no CCIT. E o menor não seria a comunhão espiritual que nos une, no rumo evangélico, na luta por um mesmo objectivo. Este foi de há muito resultado da presença contagiante do Padre Yoska que tivemos o gosto e a ventura de conhecer. Dele emanava a preocupação com a pessoa integral, no seu processo de socialização. Aí se incluía a importância da escola e da aprendizagem de cada criança, como garantia de vir a ser, quando adulta, respeitada e aceite como igual. Essa foi uma outra lição que ajudou a nortear muitas das nossas actividades na opção prioritária pela escolarização. É sem dúvida uma dívida que todos, no CCIT, contraímos com Yoska, que igualmente ensinava a importância do caminho que era necessário percorrer para ir ao encontro e nos situarmos no meio dos mais pobres. Sereno, impressionava pela força interior que o movia. Na senda do seu exemplo, todos os que participamos no CCIT beneficiamos desse espírito de tranquilidade que, sem que disso nos apercebamos, orienta as múltiplas intervenções a que no quotidiano somos chamados. Mas esse aspecto, “é invisível aos olhos” e, como tal, não se transmite em palavras. Apenas se vê “com os olhos do coração”!